Dando nome aos bois

Entenda por que confundir medo com tolerância afeta suas relações — e como isso se conecta com decisões baseadas em dados e IA

Dando nome aos bois
Photo by Tim Mossholder / Unsplash

Outro dia, presenciei uma cena que me fez pensar.

Estava em uma conversa entre colegas quando uma pessoa foi visivelmente desrespeitosa com outra. Não foi grito, nem ofensa direta — foi aquela ironia passivo-agressiva, daquelas que atravessam. A pessoa que recebeu o comentário riu, desconversou e disse:

“Ah, tudo bem... ele é assim mesmo.”

E seguiu o papo como se nada tivesse acontecido.

Mas ali, nos olhos dela, dava pra ver: não estava tudo bem. Ela ficou desconfortável. Se encolheu um pouco. Engoliu a situação.

Depois, ouvi ela dizer para outra pessoa:

“É que eu sou boazinha demais… não gosto de conflito.”

Foi aí que me peguei pensando: será que isso é mesmo bondade?
Ou será que é só medo de se posicionar?

A gente aprendeu a valorizar quem “não arruma briga”, quem “leva numa boa”, quem “deixa pra lá”. Mas o problema é que muitas vezes estamos chamando de virtude o que é, na verdade, evitação.

Ser gentil não é o mesmo que ser permissivo.
Ser empático não é o mesmo que engolir sapo.
E ser “boazinha” não é o mesmo que renunciar a si para não incomodar os outros.

Quando o medo se veste de virtude

Tem muito medo fantasiado de tolerância por aí. E isso nos impede de agir com clareza e coragem.

Porque a bondade real exige coragem.
Coragem pra dizer “não”. Pra colocar limites. Pra nomear o que machuca.
As pessoas realmente boas que você admira — elas são passivas? Ou são firmes, mesmo sendo gentis?

Essa confusão nos leva a agir de forma incoerente. E quando isso acontece, a gente também começa a errar o nome das emoções — o que complica ainda mais as respostas que damos às situações.

Veja só:

“Ela não respondeu minha mensagem. Aposto que está me ignorando. Que raiva! Vou ignorá-la também.”

Mas talvez não seja raiva, e sim frustração.
Você esperava algo que não aconteceu e esse sentimento pede paciência, não explosão.

Outro cenário:

“Ele me chamou de gorda… mas acho que foi brincadeira. Somos amigos.”

Isso não é frustração — é raiva. Um limite foi ultrapassado. E esse tipo de dor pede ação, não silêncio. Pede posicionamento.

Errar o nome da emoção é errar a resposta

Quando erramos o nome da emoção, erramos também a resposta, e podemos reagir de forma pequena a algo grande. Ou de forma exagerada a algo que só pedia diálogo.

Dar nome certo às coisas é um ato de autocuidado.
Porque quando você chama medo de bondade, você se abandona.
E quando chama espinho de flor, é você quem se fere.

Assim como acontece com nossas emoções, dar o nome certo às coisas é essencial também no mundo dos dados e da IA.

Se você rotula mal uma variável, constrói um modelo enviesado.
Se interpreta errado um dado, toma decisões equivocadas.
Se chama comportamento de “anômalo” quando, na verdade, é só exceção válida, corre o risco de bloquear um cliente — ou ignorar uma fraude real.

Em ambos os casos — na vida emocional e na análise de dados — errar a leitura significa errar a resposta.

Um dado mal classificado pode custar dinheiro.
Uma emoção mal nomeada pode custar relacionamentos, limites, autoestima.

Por isso, seja na vida ou na tecnologia, precisamos aprender a identificar e nomear com precisão.
Porque só entende bem quem interpreta certo.
E só age com sabedoria quem reconhece o que está, de fato, sentindo.

No fim das contas, tanto os algoritmos quanto as pessoas precisam das mesmas coisas para funcionarem bem: clareza sobre o que estão lidando.

Então, da próxima vez que algo te abalar — antes de reagir, identifique o que é e nomeie esse sentimento para responder de forma adequada.

E se você trabalha com dados ou IA, leve essa prática para além das emoções:
classifique melhor, rotule com mais critério, questione os rótulos prontos.

Porque no mundo e na vida, dar nome certo às coisas é o primeiro passo para entender de verdade o que está acontecendo. Parece óbvio, mas é porque é mesmo. E como eu sempre digo: óbvio precisa ser dito.

E você? O que tem chamado de “bondade” por aí… será que não é só medo bem-disfarçado?

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