O dicionário e a democracia: desvendando a política da linguagem
Tempos atrás eu escrevi sobre a importância do estudo, onde sugiro começar pela língua. Veja aqui: Estudar vale a pena?
Hoje quero explorar um pouco mais sobre isso.
Que o brasileiro tem pouca intimidade com a leitura é algo bastante divulgado na mídia, apesar de não ser uma exclusividade nossa, sentimos na pele diariamente o resultado do desapego com essa importante fonte de conhecimento.
Tenho observado uma enorme dificuldade das pessoas em expressar suas ideias e opiniões, ora por falta de vocabulário, ora pelo uso indevido de palavras.
A segunda opção é mais infeliz, já que gera muito mais ruído na comunicação.
Tempos atrás, fui almoçar em um restaurante bem legalzinho na região da Avenida Paulista, com um colega de trabalho. Pegamos o cardápio e rapidamente cada um escolheu seu prato, eu escolhi uma feijoada light e ele algum outro prato que não me recordo. Pois bem, nosso pedido chegou bem rápido e ao chegar, percebi que minha feijoada não tinha feijão, estranho. Chamei o garçom e tivemos o seguinte diálogo:
— Chefe, minha feijoada veio sem feijão — falei
— É que nossa feijoada light não tem feijão — respondeu o garçom
Voltei ao cardápio, não vi essa informação, e questionei.
— Como uma feijoada não tem feijão? Isso não é feijoada!
Estava tranquilo, apesar da situação inusitada eu e meu amigo estávamos sorridentes.
Porém, a situação mudou quando tomei uma bronca do garçom:
— Aqui é. A feijoada light vai apenas as carnes magras sem feijão, quem faz o menu é o chefe e ele define o que vai no prato, imagine se para cada cliente ele tiver que fazer de um jeito, seríamos um self-service.
Meu amigo tomou um susto e eu comecei a rir mais ainda diante do argumento que o garçom usou, mas da mesma forma que a bronca veio, a réplica voltou:
— Você está certo! Ele pode até definir o que vai no prato, como fazer e como servir, que preço cobrar, etc. Mas isto não faz o menor sentido — apontei para o prato — Ele não pode mudar o significado das palavras. Feijoada vai feijão. Bananada vai banana e goiabada vai goiaba, independentemente se é light ou não. Vocês não podem vender um negócio com nome de outro, ele deve dar outro nome para esse prato, a venda como feijoada é enganar o consumidor, como eu fui. Estou me sentindo enganado, pedi uma feijoada que não tem feijão. Você pode me trazer o Código de Defesa do Consumidor? Todo estabelecimento comercial deve ter um.
Ele me olhou espantado, realmente não esperava uma resposta na lata e antes de responder meu amigo complementou:
— Cara, vamos embora. Se tem alguém que não discuto, é com quem faz o que vou comer.
Levantamos e fomos embora.
Esta experiência no restaurante ilustra claramente como a imprecisão no uso das palavras pode levar a mal-entendidos e interpretações errôneas da realidade. Embora este exemplo possa parecer trivial, ele reflete um problema mais profundo e generalizado. Em diversos aspectos da nossa vida, vemos essa mesma dificuldade de entendimento se estendendo a conceitos fundamentais como verdade, justiça, bem, mal, direito, dever, crença, opinião, democracia, liberdade, dinheiro e terrorismo e por aí vai.
Isso muda completamente a interpretação das coisas básicas da vida, deixando evidente um analfabetismo funcional. Inúmeras pessoas não consegue decifrar o correto significado das palavras e por não conseguir fazê-lo, interpretam o que ouvem e o que leem de maneira errônea, e por consequência fará com que também transmitam suas ideias e pensamentos mais sofisticados de forma equivocada. Vamos a alguns exemplos:
Uma pessoa que acredita que verdade é questão de opinião, não entende o real significado de ambas as palavras, e considerará como verdade as opiniões não embasadas em fatos que representam a realidade, pois nesse entendimento a realidade não importa. E deixará de buscar a verdade e de rever suas próprias opiniões, deixando de aprender e ensinar, consolidando muitas vezes preconceitos, simplesmente por não acreditar que possa estar errado.
Um sujeito que considera direitos e deveres como sinônimos também tem problemas para interpretar corretamente o mundo a sua volta. Exemplos são inúmeros!
O fomento ao empobrecimento do nosso vocabulário não é mero acaso. É uma estratégia de dominação. Ao relativizar o significado das palavras passa a ser aceitável usar termos incorretos para definir as coisas e usar desse mecanismo para controlar o discurso.
Considere um exemplo recente, onde um grupo terrorista atacou um país, resultando na morte de milhares de inocentes. Neste caso, observamos que uma parte significativa da mídia se refere a esses terroristas como 'combatentes', criando uma falsa equivalência com as ações de defesa do país invadido.
Um país soberano possui leis, instituições, acordos internacionais e está sujeito as sanções de entidades diversas. Um político em um país livre é responsável pelo que diz e pelo resultado de suas ações. Em nenhuma hipótese há como comparar os atos de guerra de um país com as ações radicais de quem não tem compromisso nenhum com a verdade ou com um futuro e se faz representar por atos bárbaros.
Não quero com esse exemplo enaltecer a guerra, mas o terrorismo busca causar pânico para impor sua vontade por meio das violências físicas e principalmente psicológicas. Portanto, não podemos, nem por um instante, imaginar que são ações equivalentes.
Para entendermos melhor ainda, vamos a outro conflito contemporâneo: a Rússia invadiu a Ucrânia. Isso é um fato! Não vou discutir motivadores, apenas fatos. A Ucrânia tem defendido seu território e a Rússia tem sofrido diversas sanções dos países com acordos internacionais junto a ONU. Isso é completamente diferente de uma guerra ao terrorismo. Tanto russos quanto ucranianos estão brigando por algo e dispostos a arcar com as consequências de uma guerra entre os militares. Eventualmente há baixas civis, mas o objetivo é a conquista territorial por parte da Rússia e todos os benefícios políticos que isso traz, enquanto a Ucrânia está defendendo seu território, nenhum dos lados está buscando o extermínio do inimigo.
Uma pergunta que fica: por que querem controlar o discurso de tal forma a colocarem a causa palestina como se essa fosse a pauta do HAMAS, o que não é! Qual o motivador para que parte da mídia seja parcial com o terror nesse caso? O antissemitismo apenas? O que mais há por trás disso?
Diante de tudo isso, convido você a uma reflexão crucial: consideremos o enfraquecimento da linguagem não apenas como uma questão linguística, mas como uma poderosa ferramenta de doutrinação e manipulação do discurso midiático. Este fenômeno não está distante, ele se infiltra em nossas casas, moldando políticas públicas e influenciando as decisões que afetam nossa vida cotidiana. Precisamos estar vigilantes e críticos quanto às informações que recebemos e, mais importante, às que escolhemos compartilhar.
É alarmante ver pessoas, que admiro por sua inteligência, apoiando ideias como o 'controle democrático' da internet, especialmente em uma era marcada por desinformação, onde verdades científicas são frequentemente substituídas por narrativas jornalísticas, e opiniões se sobrepõem a fatos concretos. A pandemia da COVID-19 desnudou essa realidade, revelando um cenário onde a verdade frequentemente se perde em meio a interesses ocultos.
Portanto, questione-se: Qual é a verdadeira intenção por trás das palavras que escuta? O que seu interlocutor deseja obter de você – seu dinheiro, seu voto, sua atenção, ou algo ainda mais valioso, como sua mente e coração? Lembre-se, você não é apenas um receptor passivo de informação; você tem o poder de moldar o mundo com as ideias que acolhe e propaga. Faça escolhas informadas, pois nelas residem o futuro de nossa sociedade e o bem-estar dos mais vulneráveis entre nós.
Prompt que gerou a imagem deste artigo
Crie uma ilustração artística de uma caixa de Pandora aberta com palavras em português fluindo dela em um estilo visualmente impactante. As palavras devem parecer estar emergindo dinamicamente da caixa, simbolizando o poder e as consequências inesperadas das palavras quando liberadas. A caixa deve ser detalhada e mística, talvez com ornamentos antigos ou símbolos. Ao redor da caixa, as palavras devem ser em uma fonte elegante, fluindo como se fossem uma energia ou um líquido mágico. A paleta de cores deve ser misteriosa e intensa, com tons de preto, dourado e toques de cores vibrantes para as palavras. Exemplos de palavras: verdade, justiça, bem, mal, direito, dever, crença, opinião, democracia, liberdade, dinheiro e terrorismo, poder