Viés da familiaridade nos relacionamentos

Recentemente, presenciei uma cena que me deixou sem palavras: uma jovem, com cerca de 25 anos, discutindo com a mãe por conta de uma besteira qualquer. Não foi a discussão em si que me deixou atônito, mas a forma ríspida e mal-educada que a moça tratava a mãe.

Infelizmente, é muito comum vermos famílias desestruturadas, nem todos tiveram a sorte de crescer em um lar harmonioso, mas ao desrespeito com o qual a discussão se desenrolava era exagerada. Desrespeito vinha apenas de um lado, enquanto a mãe simplesmente ignorava os maus-tratos, o que deixava a garota ainda mais nervosa.

Essa cena me fez refletir sobre como nossa mente nos confunde, fazendo tratar de qualquer jeito aquelas pessoas mais próximas a nós, sem nem perceber. Pessoas que nos amam e que amamos. Não se trata de alguma pessoa interesseira, estou falando de família e amigos próximos, aquelas pessoas que genuinamente querem o nosso bem.

Por mais estranho e contraditório que possa parecer, um dos grandes dramas da vida é que você será amado, mais do que você pode imaginar ou achar merecedor. Ser amado não é algo que está no seu controle, ou algo pelo qual você pode se abnegar. Você pode não acreditar, mas existe alguém que acha a sua presença importante, indispensável e sentiu a sua falta hoje.

Por que às vezes, em um momento de stress, tratamos as pessoas que mais nos amam de qualquer jeito? E falamos com elas de uma forma que não falaríamos nem com um desafeto? Uma explicação para isso é o viés da familiaridade.

Viés da familiaridade

O viés da familiaridade, também chamado de efeito ou heurística da familiaridade, é um fenômeno psicológico que leva as pessoas a preferirem coisas, ideias ou indivíduos com os quais já têm familiaridade. Esse viés está enraizado na nossa psicologia evolutiva, onde a familiaridade é frequentemente associada a segurança e ausência de ameaça.

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Se quiser saber mais sobre vieses, tem esse outro artigo bem interessante: Como vieses moldam nossas percepções.

Devido ao viés da familiaridade, você tende a subestimar o valor das pessoas que vê todos os dias. Todas as ações dessas pessoas, sejam de bondade ou de suporte no seu dia a dia, são vistos como habituais e, portanto, sempre estarão ali, independente do que aconteça. O que não é verdade!

Existe algo que podemos fazer para evitarmos que esse viés haja sobre nós, e quero destacar como blindamos nossa mente desse perigo.

Como se proteger

Uma das maneiras de evitar cair nessa armadilha é começar a perceber cada ação que aquela pessoa faz por você, seja uma refeição, uma tarefa doméstica que você poderia ter feito, mas não fez e aquela pessoa acabou fazendo, ou qualquer outro tipo de ação na qual você foi beneficiado.

Ao começar a notar o quanto outras pessoas dedicam do tempo delas para te beneficiar isso tende a melhorar a sua empatia e cognição social.

Da mesma maneira que pensamos nos outros quando eles não estão conosco, os outros também pensam em nós, principalmente aquelas pessoas que nos amam, portanto, nós não desaparecemos do pensamento delas quando saímos de cena, sendo muito importante tratarmos bem essas pessoas, pois a dor do arrependimento poderá te consumir no futuro.

É uma tarefa diária treinar nosso cérebro para reconhecer o lado bom nos relacionamentos, agirmos da forma mais consciente possível é importante para todas as atividades, isso nos deixa cada vez mais no presente, onde de fato podemos tomar alguma ação.

Na maioria das vezes somos pegos de surpresa por esses rompantes de raiva e ficamos sem saber o que fazer diante de desaforos jogados na nossa cara e a surpresa acaba nos levando a dúvida que por consequência, muitas vezes nos leva a piorarmos a situação, pois tendemos a dar uma resposta sem pensar.

Como lidar com essas situações

Há diversas maneiras de lidar com grosserias vindas de pessoas que amamos e que também nos amam. Cada pessoa tem um perfil e lida com essa situação de uma forma, porém é importante entender alguns pontos importantes para preservar o relacionamento.

Já senti na pele parte do que aquela mãe passou, porém, meu filho tinha uns 3 ou 4 anos (hoje ele tem 5) e teve um acesso de raiva/fúria porque coloquei o suco no copo amarelo ao invés do copo verde. É cômico, por se tratar de uma criança, mas se isso se torna padrão, deixa ser um problema com ele e passa a ser um problema comigo.

Momento

O momento em que somos alvo de uma estupidez, geralmente é um pico de stress onde a pessoa perde a cabeça e não adianta argumentar. A reação da mãe da garota na situação que contei no começo do meu post, na minha visão, foi parcialmente acertada. Não era hora para argumentar, a garota não estava ouvindo ninguém. Existe a hora de ouvir e a hora de falar. Quando estamos sendo atacados, falar não é a melhor estratégia defensiva, isso geralmente piora as coisas.

Defesa

A melhor defesa é o ataque? Não nesse caso, muito pelo contrário! Esse é o pior jeito de você conseguir preservar qualquer tipo de relacionamento. Quando você está sob um acesso de raiva a melhor opção é sair de cena. Se você fez algo de errado, mesmo que mínimo, peça desculpas e saia de cena, se não fez nada de errado, apenas saia. Não é hora de argumentar ou fazer perguntas. Você não quer piorar uma situação que já esta ruim, não é mesmo?

O erro

Ninguém acorda pensando: "hoje eu vou errar, quero fazer uma cagada!". Erros acontecem, e as pessoas são assim, eu sei, é difícil. Mas nós também somos pessoas e erramos muito, podemos pensar que não erramos como os outros, mas em alguma medida nós também erramos da mesma forma em alguma outra área da nossa vida, então dê um desconto e ensine. Nunca olhe uma pessoa de cima para baixo, exceto quando a estiver ajudando a levantar. Não sabe ensinar? Não tem paciência? Olha aí....

Sua vez

Passado o evento, é a sua vez de falar. Não deixe passar muito tempo, algumas horas, no máximo um ou dois dias. Para algumas pessoas, essa situação é difícil e acabam relevando, mas essa é a principal parte da construção de um relacionamento saudável.

Se não há essa conversa posterior, novos episódios acontecerão com mais frequência e isso pode acabar te sobrecarregando, tornando seus relacionamentos pesados ou, no pior dos casos, inexistentes. Caso tenha dificuldades em começar, seguem algumas dicas:

  • Oi, tudo bem? Precisamos falar sobre o que aconteceu [hoje de manhã/ontem].
  • Qual foi sua intenção com aquilo?
  • Você tem algum tipo de problema que quer dividir comigo?
  • Tem algo te incomodando?
  • O que temos que fazer para que isso não volte a se repetir?

É importante deixar claro que você entende que a pessoa tem problemas e da mesma forma que você foi tratado, ela poderia ter sido tratada por você e que não se sentiria bem em fazer isso com ela. Portanto, não há motivo para que esse tipo de tratamento aconteça entre vocês e que todas às vezes que isso se repetir essa conversa desconfortável voltará a acontecer e vocês terão que encontrar um meio de conviver.

Eventualmente você ou seu interlocutor não estão preparados para esse tipo de conversa, pois exige uma maturidade de ambos os lados, caso ele(a) fuja do diálogo, deixe claro que não gostou do que aconteceu e que não deve voltar a se repetir, nem que seja por escrito, mas não guarde isso com você.

Lembrando que esse esforço só vale para relacionamentos que desejamos preservar, há pessoas que não precisam ou não devem ficar em nossas vidas. Essas é melhor deixar que se afastem.

Nos negócios

Assim como nos relacionamentos familiares e afetivos, nos negócios, o viés da familiaridade também faz o seu papel de atrapalhar nosso julgamento, fazendo com que subestimemos ou superestimemos as pessoas dependendo da situação. Deixe-me te mostrar alguns casos:

Colegas de trabalho

No ambiente de trabalho, o viés da familiaridade pode nos levar a superestimar ou subestimar colegas com base na proximidade diária que desenvolvemos com eles. Trabalhar lado a lado por várias horas todos os dias pode criar uma ilusão de intimidade e confiança, fazendo com que atribuímos a esses colegas qualidades ou competências que talvez não possuam, ou, ao contrário, subestimamos suas habilidades por estarmos acostumados a suas rotinas e comportamentos.

Essa percepção distorcida pode influenciar decisões importantes, como quem escolhemos para liderar projetos ou a quem recorremos em situações de crise. Podemos acabar favorecendo aqueles com quem nos sentimos mais confortáveis, em vez de fazer uma avaliação objetiva baseada nas habilidades e experiências reais. Para mitigar esse problema, devemos reconhecer e separar a familiaridade da competência, avaliando os colegas de trabalho de maneira justa e imparcial, e garantindo que decisões sejam baseadas em mérito e adequação ao papel ou tarefa em questão, e isso, é difícil pacas!

Fornecedores

O viés da familiaridade pode nos fazer optar sempre pelos mesmos parceiros, simplesmente por estarmos acostumados com seus produtos, serviços ou forma de trabalhar. Essa preferência automática pode nos impedir de avaliar criticamente se estamos realmente recebendo o melhor valor ou a qualidade ideal para as nossas necessidades. Além disso, podemos ficar resistentes a explorar novas opções, temendo o incômodo de lidar com um fornecedor desconhecido ou o risco de mudança.

No entanto, confiar cegamente na familiaridade pode levar a estagnação, impedindo que busquemos inovações ou melhores condições no mercado. Para evitar isso, devemos lembrar que, assim como em outros aspectos dos negócios, a escolha de fornecedores deve ser baseada em análises objetivas e dados concretos, como custo-benefício, qualidade, confiabilidade e inovação. Revisitar regularmente as opções disponíveis no mercado e estar disposto a considerar novas parcerias pode não só melhorar os resultados, mas também proporcionar uma vantagem competitiva.

Clientes

Ao atendermos os mesmos clientes por um longo período, é comum cairmos na armadilha do viés da familiaridade, acreditando que conhecemos suas necessidades e expectativas melhor do que realmente conhecemos. Essa confiança excessiva pode nos levar a negligenciar mudanças sutis nas demandas dos clientes ou a subestimar o surgimento de novas necessidades que ainda não identificamos. Além disso, podemos nos tornar complacentes, acreditando que o relacionamento estabelecido é suficiente para garantir a continuidade dos negócios, quando na verdade os clientes podem estar buscando alternativas que ofereçam mais valor ou inovação.

É sempre bom lembrar que o que mantém um cliente fiel, além do relacionamento construído, é a capacidade contínua de atender ou superar suas expectativas. Portanto, é importante manter-se atento, revisitar as necessidades do cliente regularmente e estar disposto a ajustar estratégias e ofertas conforme o mercado e as demandas evoluem. Isso permite manter os clientes satisfeitos, fortalecer e expandir o relacionamento de maneira sustentável.

Competidores

Quando estamos lidando com competidores, o viés da familiaridade pode nos levar a subestimá-los ou a ignorar o seu potencial de inovação e crescimento. A familiaridade com a nossa própria empresa, nossos processos e nossa percepção do mercado pode criar uma falsa sensação de segurança. Isso pode resultar em uma falta de vigilância e uma tendência a desprezar novos concorrentes que, por serem desconhecidos ou parecerem pequenos, não são considerados uma ameaça real.

Entretanto, o mercado é dinâmico, e competidores que inicialmente parecem insignificantes podem rapidamente ganhar força e, eventualmente, superar empresas estabelecidas. Podemos evitar isso mantendo uma visão objetiva e crítica, avaliando constantemente o mercado e os competidores com base em dados e tendências reais, em vez de se basear na familiaridade com o status quo.

Enfim, esses são alguns casos onde o viés da familiaridade afeta o relacionamento nos negócios, mas existem outros. Te convido a refletir em como esse viés afeta no julgamento entre superior e subordinado, por exemplo. Da mesma forma que nos demais relacionamentos a melhor forma de nos protegermos dessa armadilha cognitiva é treinando nossa mente para entender o momento de cada relacionamento e como preservá-lo, se assim fizer sentido.


Nossas relações mais próximas são, sem dúvida, as que mais influenciam nossa vida, para o bem e para o mal. A cena que presenciei recentemente é um exemplo claro de como o viés da familiaridade pode nos cegar para o valor dessas conexões, fazendo-nos tratar com indiferença aqueles que mais se importam conosco. Mas ao tomarmos consciência desse viés e aplicarmos algumas estratégias que mencionei ao longo desse texto podemos fortalecer nossos laços e evitar arrependimentos futuros.

Que tal começar hoje? Reserve um momento para reconhecer as pequenas e grandes coisas que as pessoas próximas fazem por você diariamente. Agradeça, demonstre seu apreço e, acima de tudo, trate-as com a consideração que elas merecem.

Compartilhe nos comentários como você tem lidado com situações similares e o que tem feito para melhorar seus relacionamentos. Vamos continuar essa conversa e aprender juntos a valorizar ainda mais nossos relacionamentos.